Telemedicina veio para ficar mesmo após o fim da pandemia?

POR Diogo Manganelli* (publicado originariamente no ConJur)

É inquestionável que a pandemia da COVID-19 tem trazido inúmeros desafios a todo o planeta desde o final de 2019, e o Brasil, assim como grande parte dos outros países, tem trabalhado em diversas frentes distintas para amenizar seus impactos, que, infelizmente, já tiraram a vida de milhares de cidadãos.

Com o intuito de reduzir a circulação de pessoas nas ruas e, consequentemente, promover a diminuição de aglomerações, freando a disseminação do vírus e dando tempo às autoridades para implementar medidas eficazes ao seu combate, entre os esforços implementados, encontra-se a autorização, ainda que, a princípio, temporária, da prestação de serviços médicos por meio de tecnologias de informação e comunicação (“TICs”).

Por meio da Lei 13.989, de 15 de abril de 2020, foi autorizada em todo o país a utilização da telemedicina no período em que durar a pandemia. Contudo, a discussão referente à sua implementação não é nova no país e permeia os anos 2000, motivo pelo qual é necessário que se compreenda, inicialmente, seu contexto de idas e vindas na regulamentação para, após, nos dedicarmos a analisá-la sob dois pontos: proteção de dados pessoais de pacientes durante a utilização do serviço, conforme as previsões da Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”), Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, bem como sua manutenção em operação após o término da pandemia e, consequentemente, os efeitos da Lei nº 13.989/2020.

O histórico da telemedicina no Brasil é extenso e complexo. Ainda em 2002, o Conselho Federal de Medicina (“CFM”) havia publicado a Resolução nº 1.643 em que definia os conceitos acerca do que seria tido como telemedicina sem, contudo, trazer definições mais assertivas sobre os limites da sua utilização, como requisitos, gerando grau considerável de incerteza e, consequentemente, desencorajando sua aplicação de maneira extensiva no país. Além disso, até aquele momento, não existiam normativas do Governo Federal que autorizassem expressamente a prática, o que contribuiu para sua subutilização.

Com o crescimento das preocupações com a proteção de dados pessoais no país, culminando com o advento da LGPD, o CFM publicou em 2018 a Resolução nº 2.227 que, além de revogar aquela anterior de 2002, trouxe inúmeros requisitos técnicos para que as TICs, eventualmente utilizadas para os procedimentos médicos, estivessem de acordo com as exigências daquela legislação. Contudo, tal norma teve um período curto de eficácia, sendo posteriormente revogada pela Resolução nº 2.228/2019, que, por sua vez, desconsiderou suas obrigações e tornou novamente exigível aquela regulamentação de 2002, ou seja, novamente sem delimitar as preocupações com a privacidade e a proteção dos dados pessoais dos usuários.

Ainda neste contexto, em 2020, deflagrada a pandemia no Brasil e dispondo deste arcabouço regulatório, o CFM encaminhou ao Ministério da Saúde o Ofício CFM nº 1756/2020-COJUR por meio do qual, em caráter de excepcionalidade, reconheceu a possibilidade e eticidade na prestação dos serviços médicos pela modalidade remota, além das previsões já contidas na Resolução nº 1.643/2002. Por fim, restou publicada pelo Ministério a Portaria nº 467, de 23 de março de 2020, que autorizou a prática no contexto de pandemia.

Em que pese esteja em vigor a LGPD no país, percebe-se que a telemedicina não dispõe de exigências regulatórias no tocante à proteção de dados pessoais de seus usuários para ser implementada. Aqui, é importante esclarecer que a sua vigência se iniciou apenas em agosto de 2020, ou seja, cerca de 5 meses após a autorização de tal prática no Brasil e, consequentemente, período em que houve grande utilização do recurso, bem como o desenvolvimento de ferramentas para propiciá-lo.

Ao mesmo tempo, considerando que a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”), órgão responsável não só pela construção de uma cultura de privacidade e proteção de dados pessoais no país, bem como pela fiscalização referente aos requisitos da LGPD e aplicação das sanções administrativas previstas (sanções que tiveram a sua vigência adiada para agosto de 2021, conforme art. 20 da Lei nº 14.010/2020), ainda é incipiente, ou seja, ainda caminha no sentido da estruturação e definição de nortes de trabalho, resta a dúvida sobre qual o grau de conformidade se tem praticado no mercado até então.

Considerando que, até o presente momento, o número de usuários de tal serviço no país já se aproxima dos 2 milhões1, revelando o seu inegável sucesso e aceitação pelo público de maneira geral, torna-se difícil acreditar que, ao fim da pandemia e, consequentemente, com o fim de vigência da Lei nº 13.989/2020, o país retome seu status quo de ignorar os benefícios de tal funcionalidade. Logo, é perfeitamente vislumbrável que, a partir de então, disponha de novas regulamentações que incentivem e propaguem sua prática.

Todavia, pensando em sua utilização em caráter permanente, para que seja realizada de maneira adequada, além das determinações regulatórias, é extremamente importante que as regras referentes à privacidade e à proteção de dados pessoais sejam, de fato, incorporadas e garantidas. Isso porque, além do próprio desenvolvimento da LGPD e da ANPD, será cada vez mais comum a consciência da população no que diz respeito aos seus dados pessoais.

Inclusive, não se refutando a tal importância, a Confederação Nacional de Saúde (“CNSaúde”), em parceria com a Agência Nacional de Saúde (“ANS”) e instituições privadas do setor, ao elaborar o Código de Boas Práticas em Proteção de Dados para Prestadores Privados em Saúde2, incluiu no documento um capítulo especialmente dedicado ao tema, com interessantes considerações. Da mesma forma, atenção para práticas internacionais referentes à aplicação em larga escala da telemedicina, estabelecendo ao mesmo tempo regras para o tratamento de dados pessoais de seus usuários. Aqui, pode-se fazer menção direta ao Health Insurance Portability Accountability Act (HIPPA) norte-americano, que abarca não só a questão da privacidade dos seus usuários como também os requisitos para que seja garantida no contexto da telemedicina.

Ao mesmo tempo em que a pandemia da COVID-19 gerou uma tragédia sem precedentes para a população brasileira, também proporcionou a oportunidade de desenvolvimento em inúmeras áreas até então muito pouco ou não exploradas, principalmente no que se refere à digitalização de processos e atividades. Logo, visando a incorporação definitiva da telemedicina e sua manutenção após o término da pandemia, ajustes ainda devem ser considerados, o que não afasta a importância que tal evolução gerou ao país.

*Diogo Manganelli é advogado do Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados Associados.

1 Disponível em https://exame.com/revista-exame/a-hora-da-telemedicina-pais-ja-fez-17-milhao-de-consultas-a-distancia/. Acesso em 17 de abril de 2021.

2 Disponível em http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2021/03/Boas-Praticas-Protecao-Dados-Prestadores-Privados-CNSaude_ED_2021.pdf. Acesso em 17 de abril de 2021.

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