Bloqueio indevido de redes sociais e contas de e-mail gera dano moral ao usuário

Bloqueio indevido de redes sociais e contas de e-mail gera dano moral ao usuário

por Celina Mendonça* e Thais Vieira**

A transformação digital ecoa por todos os lados, seja no cenário privado ou corporativo. As redes sociais, que antes eram utilizadas corriqueiramente apenas na seara pessoal, atualmente são meios de trabalho e sustento de muitas famílias.

Diante disso, os provedores de aplicação devem acompanhar o ritmo das mudanças e observar, de modo cauteloso, as questões relacionadas à desativação, ao bloqueio e ao desbloqueio de contas de e-mail e perfis de redes sociais. Isso porque, dependendo da postura adotada, poderão responder pelos danos ocasionados aos seus usuários.

Tal fato vem sendo objeto de análise pelo Poder Judiciário, pois os magistrados têm se debruçado sobre demandas relativas a bloqueios indevidos de contas de e-mail e de redes sociais. As decisões têm sido no sentido de que a inércia das plataformas em solucionar tais situações com a rapidez que se requer, além de não disponibilizar meios suficientes para tal, gera a obrigação de indenizar o usuário.

Recentemente, a juíza da comarca de Passos/MG proferiu decisão favorável à autora de ação que teve sua conta de e-mail bloqueada de modo indevido. O endereço eletrônico era utilizado para o exercício de sua atividade profissional como advogada e do qual era titular há 20 anos [1].

Devido ao bloqueio em questão, a autora se viu prejudicada em sua atuação, fato considerado no referido processo, tendo a magistrada fixado indenização na ordem de 5 mil reais, em desfavor do provedor de aplicação responsável.

Por tais motivos, as plataformas deverão ser cada vez mais cautelosas ao estabelecer suas regras de uso de modo unilateral aos usuários.

A Justiça do Sergipe [2] também se pronunciou sobre caso de exclusão indevida de conta na rede social Instagram, com base nos termos de uso da plataforma, ao argumento de que havia sido violado o direito de propriedade industrial de terceiro.

Todavia, após sanada a postagem incorreta e apurados os fatos, o magistrado entendeu que cabia a indenização por danos morais, uma vez que o usuário tinha 33 mil seguidores e, por atuar como influenciador digital, havia sido prejudicado comercialmente e em sua imagem.

O Tribunal de Justiça de São Paulo [3] se pronunciou sobre o caso de um médico que teve desativada sua conta no aplicativo WhatsApp, de responsabilidade do Facebook, o que impossibilitou o acesso inclusive às mensagens armazenadas, tendo sido informado pelo provedor, via e-mail, de que sua conta havia sido “banida” com base em reclamações de violação aos termos de uso.

No caso mencionado, as justificativas do provedor responsável pelo aplicativo, segundo o magistrado, não foram convincentes, motivo que ensejou a fixação de indenização por danos morais na ordem de 25 mil reais em favor do médico.

Os precedentes são diversos sobre o tema, tendo sido inclusive objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça, que, no Agravo em Recurso Especial nº 1.595.492 [4], manteve o acórdão oriundo do TJSP, que condenou o Facebook ao pagamento de multa acumulada de 254 mil reais em razão do descumprimento de ordem judicial que determinou a reativação de perfil na rede social Instagram.

Termos de uso das plataformas X direito dos usuários

A controvérsia que se estabelece nesses casos é justamente devido ao fato de que as plataformas têm responsabilidade de fornecer mecanismos de segurança e de privacidade aos usuários. Para isso, criaram os chamados “termos de uso”, que são uma espécie de “política de convivência” para todos aqueles que desejam usar suas funcionalidades.

O parâmetro instituído pelo Marco Civil da Internet ressalva seu objetivo principal de “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura[5], reafirmando os direitos fundamentais da Constituição Federal. Contudo, essa premissa não pode ser vista como carta branca aos usuários para falar ou reproduzir qualquer tipo de conteúdo na internet.

Em termos gerais, a internet não pode ser espaço de anomia jurídica e será através dos termos de uso que as plataformas buscarão criar regras mais específicas para os usuários, geralmente proibindo conteúdo de cunho violento, discriminatório, sexual-abusivo ou de cyberbullying, bem como perfis falsos ou hackeados.

Na maioria das vezes, esses conteúdos, perfis ou contas, após serem denunciados, são indisponibilizados pelas plataformas, que, em certa medida, poderão ser responsabilizadas caso não o façam. Apesar disso, a possibilidade de aplicar penalidades aos usuários é uma espécie de “poder-dever” que precisa ser balizado para que não seja considerado abusivo, segundo entendimento que vem sendo construído pela jurisprudência dos tribunais estaduais e superiores.

É com base nos princípios clássicos da responsabilidade civil, ou seja, “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo [6]” que muitos usuários têm obtido êxito em demandas indenizatórias do gênero. Além disso, muitos juízes têm buscado no direito consumerista os fundamentos para responsabilizar as plataformas pela falha na prestação de seus serviços, sobretudo nos casos em que o usuário tenta sem sucesso provar sua identidade, mas acaba não sendo reconhecido pela Inteligência Artificial da plataforma, ficando então sem alternativas para reaver sua conta.

O Judiciário tem considerado que independentemente de se tratar de usuário que mantém redes sociais para fins recreativos ou de usuário que as utiliza como instrumento de business e marketing digital, não se pode desconsiderar a importância central das redes sociais, dos aplicativos de mensagens e dos e-mails na vida das pessoas.

A internet hoje é a nova televisão, o novo rádio e o novo jornal, tudo ao mesmo tempo e para um público irrestrito de pessoas. Esses usuários são influenciadores digitais, empreendedores – inclusive da área jurídica – ou mesmo grandes empresas, comprometidas com o relacionamento online com o cliente. Mas, sobretudo, trata-se de consumidores assíduos do mercado digital e marketing de influência.

Estar na internet é sinônimo de sociabilidade. Tudo acontece no mundo online, logo, o bloqueio repentino e indevido, ainda que temporário, implica prejuízos de diversas ordens: perdem-se seguidores, contatos, contratos, oportunidades e negócios.

A importância cotidiana da internet foi ponderada na decisão proferida pelo Tribunal de São Paulo [7] em favor da autora que teve sua página no Facebook suspensa por suposta violação aos termos de uso, com base no Marco Civil da Internet, que assegura a “preservação da natureza participativa da rede[8].

No caso, a magistrada compreendeu que as prerrogativas das redes sociais, com base em seus termos de uso, não poderiam limitar o direito fundamental à comunicação.

Assim, ainda que seja considerado que a conta na rede é uma espécie de contrato entre o usuário e a plataforma, sua resolução deve ter motivo idôneo, pois ali estão fotos, vídeos e contatos que compõem acervo pessoal do usuário.

A legitimidade da punição aplicada pela plataforma e a maneira como o bloqueio acontece também são fatores determinantes nesses casos. Por exemplo, o Tribunal do Rio Grande do Sul [9], em decisão liminar, considerou que o usuário não foi informado e não teve oportunidade de se defender da denúncia que recebeu, razão pela qual determinou o restabelecimento da conta até que seja comprovada a ocorrência de ato ilícito.

Assim, a partir dessas novas e crescentes perspectivas do instituto da responsabilidade civil, passa-se a considerar a vida dos usuários na internet como bem a ser tutelado. Isso porque, a partir do impedimento indevido dos titulares de exercerem tal direito, nascerá o fato gerador do dever de indenizar pelos danos morais experimentados. E, se for o caso, de eventuais danos materiais, a depender da comprovação e de sua repercussão.

 

*Celina Mendonça é coordenadora da área contenciosa digital e cível do Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados Associados.

**Thais Vieira é advogada da área contenciosa digital e cível do Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados Associados.

 

[1] Notícia veiculada no site do Migalhas: https://migalhas.uol.com.br/quentes/332995/microsoft-deve-desbloquear-e-mail-de-advogada-e-pagar-indenizacao.

[2] TJSE – Processo nº: 0000363-95.2019.8.25.0083

[3] TJSP – Processo: 1003072-08.2019.8.26.0100

[4] STJ – AREsp 1.595.492

[5] Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

[6] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[7] 1004190-59.2020.8.26.0625

[8] Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

VII – preservação da natureza participativa da rede;

[9] 5045620-87.2020.8.21.0001

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