As fake news e a internet da mentira

dr.renato

POR Renato Opice Blum para JuriNews | 05.08.2020

Nossa sociedade vive hoje uma situação de pandemia e isolamento social decretados por autoridades de diversos países e órgãos internacionais em função do novo coronavírus. Tais medidas intensificam ainda mais o fluxo de migração digital de comportamentos pessoais, de atividades de empresas, órgãos públicos, escolas e de relacionamentos sociais.

O fenômeno de aceleração da transformação digital acarretou progressos significativos em diversas áreas, mas trouxe consigo algumas questões preocupantes como o aumento de ataques cibernéticos, questões envolvendo privacidade e proteção de dados e a disseminação de fake news.

A internet e as redes sociais, em condições pré-pandêmicas, já propiciavam uma falsa sensação de segurança e anonimato aos usuários, que se acostumaram a falar, postar e reencaminhar palavras e atitudes em meios digitais que normalmente não se permitiriam ter em uma situação presencial.

Com o momento caótico de isolamento, aliado a uma desinformação generalizada ocasionada pela falta de dados concretos sobre o novo vírus, surgiu uma combinação de maior tempo ocioso em casa com o uso prolongado das redes sociais. Esses ingredientes são perfeitos para a disseminação das chamadas fake news, as notícias falsas ou imprecisas disseminadas na web.

Tão impactante tornou-se esse fenômeno que a OMS (Organização Mundial da Saúde) criou um novo termo para denominá-lo: infodemia, a epidemia da desinformação. O temor é que essas desinformações sobre a pandemia possam gerar confusões na população ao invés de incentivar o cumprimento das medidas de higiene e de restrições determinadas pelo poder público e organizações internacionais.

Nesse cenário de uso indiscriminado das chamadas fake news exacerbado em meio à crise do coronavírus, surgiram diversos projetos de leis estaduais e federais com o intuito de definir, tentar evitar e penalizar as fake news.

Um desses é o Projeto de lei nº 2.630/20, de autoria do Senador Alessandro Vieira, que propõe instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, e ficou conhecido como Lei das Fake News.

Depois de algumas tentativas de votação, diversas emendas e muitas solicitações de adiamento, o Senado Federal aprovou no último dia 30 de junho o substitutivo proposto pelo Relator, o Senador Angelo Coronel, na Emenda 153. O PL 2.630 de 2020 agora segue para a análise da Câmara dos Deputados e a seguir para ser sancionado ou vetado pela Presidência da República.

A referida Lei das Fake News, na realidade mais do que se referir a fake news, pretende estabelecer mecanismos de transparência para provedores de aplicações de redes sociais e de serviços de mensageria privada na internet, e a adoção de mecanismos e ferramentas de informação sobre conteúdos impulsionados e publicitários disponibilizados para o usuário, buscando uma regulamentação do setor de forma a desestimular abusos ou manipulação que tenha potencial para causar danos.

Essas aplicações e serviços de mensageria sujeitos às penalidades previstas na lei são aqueles que possuam mais de dois milhões de usuários e, ainda que sediados no exterior, ofertem serviços ao público brasileiro ou que tenham uma empresa do mesmo grupo econômico no Brasil.

O PL trata de alguns pontos importantes como a vedação do funcionamento das contas inautênticas, contas automatizadas, não identificadas como tal, os disseminadores artificiais não rotulados, as redes de disseminação artificial de desinformação e os conteúdos patrocinados não rotulados. Cabe às aplicações adotar medidas técnicas para vedar o funcionamento dessas contas, identificar esses conteúdos e desenvolver políticas de uso para cumprir essas vedações.

Os provedores devem, ainda, cumprir com o dever de transparência tornando públicas as informações sobre a remoção e suspensão dessas contas, conteúdos e disseminadores de acordo com o previsto no PL. Institui ainda o PL 2.630, o Conselho de Transparência e Responsabilidade da Internet, determinando que as informações acima deverão constar de um relatório de transparência que deverá cumprir diversos requisitos e ser disponibilizado trimestralmente, nos sites dos aplicativos, contendo as medidas jurídicas implementadas.

Sobre o serviço de mensageria instantânea foi previsto no projeto de lei a necessidade de manutenção e gestão de mensagens em massa, determinando um número máximo de encaminhamentos de uma mesma mensagem a cinco usuários ou grupos, e reduzindo mais esse número em período eleitoral, emergência ou calamidade pública. Determina também o número máximo de participantes por grupo a 256 usuários e que será necessária a autorização dos destinatários de mensagens distribuídas em massa.

Outra questão que merece destaque foi a previsão pelo projeto de lei da possibilidade de atuação conjunta do Estado e da iniciativa privada em um modelo de auto regulação regulada, que deverá ser certificada pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet permitindo a essa corregulação para melhorar o ambiente da internet.

O PL sofreu algumas críticas pelas previsões de aplicabilidade aos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada cujas características parecem ter sido moldadas para os grandes e já presentes players do mercado. Exemplo disso é o número máximo de 256 usuários permitidos por grupo, que por coincidência, é o número máximo permitido pelo aplicativo WhatApp. A questão sobre essa previsão muito específica é que, devido à rápida velocidade com que as coisas mudam nos meios digitais, em pouco tempo essas previsões se tornem obsoletas e não possam mais ser aplicadas a novos players ou novas tecnologias.

Algumas outras críticas que tem sido feitas ao PL 2.630/2020às violações à Lei Geral de Proteção de Dados e ao direito fundamental da liberdade de expressão. Um desses pontos sobre a questão de dados pessoais era a exigência anterior de recadastramento de todas as contas de celular pré-pagas com apresentação de documento de identidade para verificação de titularidade, o que foi alterado para apenas aqueles casos que adotarem postura suspeita na rede.

Outra previsão que poderia afetar a privacidade dos usuários, segundo seus críticos, seria a obrigatoriedade de serviços de comunicação guardarem os registros da cadeia de reencaminhamento até sua origem, desde que a mensagem tenha alcance quantitativo superior a mil usuários. Sobre registro refere-se a ip, data e hora, não se fala em conteúdo, limitado ao prazo de três meses e apenas com ordem judicial.

Críticos ao projeto de lei argumentam ainda que o mesmo não estava maduro o suficiente, não tendo sido possível a manifestação da sociedade com o tempo necessário para o aprofundamento dos debates essenciais a uma matéria tão delicada quanto o gerenciamento e a moderação de conteúdos na internet.

Ainda que com algumas críticas, o projeto de lei traz uma discussão importante do ponto de vista do direito digital, uma vez que as fake news não estão claramente previstas no Marco Civil da Internet (Lei nº12.965/14).

O conceito de fake news como desinformação é recente. Sendo uma notícia falsa, não é noticia, é mentira. E a mentira sempre existiu. A diferença agora é que os recursos tecnológicos ajudam na sua disseminação e, independentemente da ideologia de quem a propaga, não contribui para nenhum tipo de debate.

A título exemplificativo, temos outras nações que recentemente positivaram legislações sobre desinformação, como a França e a Alemanha. Na Alemanha, a experiência tem sido positiva. Foi criado pela lei um canal de reclamação para que usuários denunciem conteúdo ilegal, que pode ser excluído ou bloqueado e foi prevista uma entidade de autorregulação regulada.

Ao tentar mitigar as fake news busca-se, de uma maneira global, manter um ambiente online de credibilidade, para que a sociedade possa continuar confiando na internet. Um ambiente onde as mentiras se propagam indiscriminadamente, faz com que seus usuários deixem de se sentir seguros. Torna-se a internet da mentira. E uma internet da mentira não favorece a ninguém.

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